domingo, 12 de março de 2017

FIDELIDADE



Tenho, como parte da minha rotina, ler as Sagradas Escrituras todos os dias. Esse hábito foi adquirido a partir do momento em que eu tive um encontro verdadeiro com Deus, há aproximadamente dez anos.
 
De lá para cá eu tento compreender as parábolas e os significados do que eu chamo de Manual da Vida, embora veja essa decisão como uma grande responsabilidade, pois aprendi que a Lei só reconhece o pecado a partir do momento em que tomo conhecimento. Mas, aceitei o desafio.
 
Ler e tentar compreender esses livros é como conversar com Deus; quando Ele percebe seu interesse, vê que vale a pena perder um tempo e explicar.
 
Porém, não me agrada muito ler os Salmos, porque parece que não é Deus falando, mas sim o salmista. Não que eu despreze a inspiração do autor, mas minha sede é de aprender, e quem melhor do que o Criador de tudo isso para me explicar...
 
Não sei quantas vezes eu li os Livros de Deus de Gênesis a Apocalipse, mas isso não importa quando falamos da Bíblia Sagrada, já que é a Palavra Viva, que se consuma a todo momento, para a formação espiritual daquele que se dispõe a compreender, pois, das vezes que eu li, parece que nunca se tratou dos mesmos livros, é como se reescritos instantaneamente para responder às questões daquele momento sempre.
 
Desta vez não foi diferente, comecei a ler novamente, como de costume, por Gênesis. Não me contento só com a leitura linear, preciso marcar, reler trechos passados, pesquisar mais à frente, tanto dentro do Velho Testamento como do Novo, já que Jesus não veio para uma reciclagem, descartar o velho para publicar um novo, Ele propôs essa mudança só no homem, não nas palavras eternas de Deus. O Novo Testamento veio para justificar o antigo e, veja, encerra João dizendo "Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa das coisas que se acham escritas neste livro” Ap 22, 18-19.
 
Antes, Jesus disse “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um jota (a letra) ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus" Mt 5,18-19. E, em Lc 16,17, Jesus afirma que nenhum til da lei deverá cair, ou seja, o valor da lei de Deus não deve ser desconsiderado, e sim ser reconhecido através do seu seguimento, ou seja, Jesus veio para "consumar" a palavra do PAI.
 
Mas, como de costume, parei nos Salmos... reduzi o ritmo da leitura e, sem me dar conta, parei exatamente no lugar onde muitos consideram o centro da Bíblia, no final do Salmo 117. Marquei o ponto de parada e acabei me dedicando a outras leituras, deixando a Bíblia para o momento em que me recobraria as forças para continuar lendo os Salmos, já que decidi não pular trecho algum dessa jornada.
 
Ontem eu senti novamente vontade de continuar em leitura contemplativa, então abri onde tinha marcado e li todo o Salmo 118. Ele é o mais longo dos salmos, possui 176 versículos, todos falando de fidelidade com a Lei de Deus, com uma curiosidade, foi escrito iniciando cada versículo, em cada estrofe, com a mesma letra do alfabeto, completando todo o alfabeto em 22 estrofes. Meditei que, assim, talvez, Davi desejou louvar Deus na Sua máxima plenitude, o Deus do todo, Senhor da totalidade.
 
Nesta obra de arte, verdadeira declaração de amor aos preceitos do Senhor, Davi se declara fiel à Lei. É esta a palavra: "FIDELIDADE"...
 
Precisei refletir muito para decifrar a que nível de fidelidade Davi se comprometeu, ou a que nível ele se referia.
 
Eu me perguntei também se ele estava inspirado quando escreveu, pois naquele momento não era o Espírito Santo quem se comprometia, mas sim, Davi, o homem. Parece-me mais sensato que Davi tenha escrito somente por ele mesmo, sem o comando do Espírito de Deus, porque o tom é de promessa do homem para Deus.
 
Não me passou despercebido a minha responsabilidade, o quanto eu tenho me comprometido com a Verdade de Deus nas palavras que saem da minha boca, sobretudo nas minhas pregações.
 
Pensei no quanto posso aproximar alguém de Deus ao propagar essa Verdade, e o quanto também posso distanciar alguém da sua salvação se não a transmito com a pureza e a fidelidade necessária... "se a serpente morde por erro de encantamento, não vale a pena ser encantador." Ecl 10,11
 
Uma das ideias que refleti foi que, se amar não é opção, mas sim uma ordem, pois, Jesus não pediu que amássemos, Ele ordenou um novo mandamento: "que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros" Jo 13, 34, e, "com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" Jo 3,16. A Palavra de Deus é amor puro, onde ela brota só haverá vida, porquanto, se, falando de amor, ensino alguém a buscar alguém que o ame para só então amar, então estou ensinando o desamor, pois amor é decisão e não há condição para a sua manifestação. Vejo muitos pregarem essa mensagem em nome de Deus, então fico a me perguntar... - Será que Deus mudou as regras e não me avisaram?
 
Vejo pessoas falando, em nome de Deus, em separar o joio do trigo que há dentro da Igreja; e, com com palavras duras, derriça a estrutura antiga. Jesus disse que "todo o reino dividido contra si mesmo será destruído e seus edifícios cairão uns sobre os outros" Lc 11, 17. Novamente eu penso se Deus realmente não está mudando tudo o que já foi escrito, ou quem sabe, concedeu autoridade para que fosse arrancada a página do livro do Apocalipse onde se diz que nada pode ser mudado do que foi escrito.
 
Só posso definir a fidelidade como a capacidade que um homem possui de, apesar dos seus títulos, conquistas, desejos e interesses, manter a Palavra na sua integridade, pregando com integridade, mesmo que a ideia contribua contra os seus interesses pessoais, se assim for preciso.
E, do ponto de vista de quem recebe a mensagem, manter-se atento para absorver a Verdade de Deus unicamente pelo valor da Palavra, desprezando a imagem externa de quem a prega.
 
Ao mesmo tempo que essas verdades guardam a força imensurável de Deus, elas também são vulneráveis à contaminação. Está escrito que "uma mosca morta infecta e corrompe o azeite perfumado." Ecl 10,1
 
Possuir grande quantidade de bens não mostra outra verdade a não ser a de uma pessoa que teve habilidades ou disposição para angariar muitos bens, a autenticidade da palavra por ela pregada não vem dessa condição;
 
Tampouco daqueles que possuem fama, pois se tornar conhecido é o atributo de quem possui habilidades para vender sua própria imagem, nada mais do que isso.
 
Àquele que exerce um certo poder em uma comunidade pequena ou grande, também não existe autorização para mudar a Verdade de Deus. O seu poder mostra apenas que possui um nível elevado de persuasão, e só.
 
Não estou dizendo que alguém com qualquer título, dom ou qualidade não pode pregar a Verdade do Pai, só observei que verdade é verdade, não pode se misturar às tendências humanas, não importa a boca que a publica, mas a fidelidade com sua essência; só não significa que alguém que, por possuir grandes riquezas ou fama internacional ou poder de persuasão ou porque tem boa dicção e fala palavras bonitas está autorizado a dizer qualquer coisa em nome de Deus, pois, a Palavra de Deus só se consuma na totalidade, não há verdade fracionada ou misturada com as verdades do mundo. Além do mais, no versículo 130 desse mesmo Salmo, Davi declama "vossas palavras são uma verdadeira luz, que dá sabedoria aos simples".
 
Porém, vejo que o mundo não está acostumado com a voz de Deus, ainda busca verdades nos méritos de mundo, nos troféus e no poder dos homens, e às vezes mescla as verdades de Deus com as do mundo, produzindo conveniências para si para assim também preservarem seus egos, riquezas e poderes.
 
Aprendi também que "a árvore é conhecida pelos seus frutos", onde comparamos os frutos que esses três exemplos abaixo deixaram, e percebemos que a graça é proporcional à renúncia de si mesmo:
 
1- O Papa João Paulo II foi um grande exemplo de quem se comprometeu de verdade da Palavra de Deus. Pregou o amor puro e a busca da salvação, pedindo a reafirmação de cada fiel aos mandamentos do Pai. Pregou o perdão com o próprio exemplo em diversas situações, e principalmente quando sofreu um atentado à sua vida, perdoando e beijando o homem que lhe feriu com um tiro. Vejo nesta decisão um atributo de quem detesta a fama, "renega a si mesmo" e não permite que o seu ego humano contamine a pureza da doutrina. Os frutos de amor que herdamos daquele Papa não se pode negar.
 
2- Padre Léo renegou-se a si mesmo de forma tão intensa que certa vez declarou que não rezava para Deus curá-lo da doença que o consumia, pois reconhecia que a sua saúde fora prejudicada por consequência das suas próprias escolhas.
 
3- Sem falar no nosso querido São Francisco, que superou qualquer compreensão humana e, renunciando a tudo, findou-se morto na miséria do corpo e da alma. Porém, seu legado transformou o mundo no momento em que Deus era subjugado com intensas guerras da Igreja de Deus e contra ela. Não seria por outro motivo que as suas obras tem modificado os corações das pessoas mesmo tendo decorrido quase oitocentos anos após a sua morte.
 
Diante de tudo isso, passei o final de semana refletindo e me comparando com as pessoas que influenciam a minha vida, então pude enxergar o quanto estou ainda distante da Lei do nosso Pai de Amor, mas restando o consolo de que o Espírito Santo pode interferir nas minhas palavras, se realmente eu permitir, aos poucos me fazendo aprender a verdadeira sabedoria.
 
Que Deus nos dê sabedoria e tenha misericórdia, pois vou fazer o possível para conquistar o céu para mim e para aqueles a quem amo. Só não vou insistir em cuidar da minha imagem e assim manchar meu espírito. Para isso eu peço sabedoria.

Nunes

Nenhum comentário:

Postar um comentário